Sonhando acordada - por Nívea Lins

Mais uma dose, por favor?

Soma que soma...perdida de tanto somar
A cada rodada uma dosagem mais forte
Vamos evitar a dor, a tristeza, a revolta
A felicidade está logo ali
logo
ali
logo...onde?
Dê-me soma!
Há televisões de toda espécie
Com a promessa de nos encontrarmos
mais perdidos ficamos
Nunca há o suficiente
Estamos anestesiados
"Amanhã há de ser melhor!"
"Fazer o que, não é mesmo?!"
A sensação de impotência passa rapidamente
Afinal, "você tudo pode naquele que te fortalece"
A fórmula da felicidade está ao alcance das mãos
Em leves prestações, digerimos seu gosto amargo
Soma
Consuma
Soma
Suma

Obra surrealista de Lissy Elle






Intenso e efêmero
do luar ao amanhecer
Como fazer de um só momento
um encanto florescer?

Deslocada no mundo. Nada parece fazer muito sentido ao que está a sua volta. Laços líquidos estão por toda a parte...romper com a superfície passou a ser uma ousadia de poucos. Aliás, o fato de ser visto como algo ousado já soa muito estranho aos seus ouvidos. Tudo se tornou muito rarefeito, pois deslizamos na superfície com medo de desvendar suas profundezas. Ela se pergunta: medo, preguiça ou falta de consideração aos que estão a sua volta? As pessoas mal se olham nos olhos...como conseguem enxergar e conhecer a si mesmas se não admitem e sentem a importância do outro? Tudo parece fluido demais pra ela...fluido e frio. Somos seres humanos, mas a coisificação do ser, o fato de termos nos tornado coisas que consomem outras coisas fez com que perdêssemos o sentido de humanidade. Somos “solidári@s” apenas com nós mesmos. Pouco importa o que o outro sente e pensa, afinal, como bem já lhe disse um amigo “preocupar-se somente com sua vontade, faz do ser humano vivenciar uma falsa liberdade, ou melhor, a concepção liberal de liberdade”.  

Vivemos em uma sociedade que estimula o consumismo em todos os âmbitos; a questão não é simplesmente consumir para acumular bens, e sim para usá-los e descartá-los rapidamente porque as novidades surgem em fração de segundos; quem não consegue acompanhá-las é visto como fracassad@. O ritmo frenético de se desvencilhar de tudo nos tornou contraditoriamente prisioneir@s das supostas variedades e rotatividades que nos cercam. Assim também se transformaram as relações humanas. O desejo e a satisfação imediata deixaram o ser humano cada vez mais descompromissado. Acabamos vivendo sempre em expectativa de que o melhor está por vir e que há sempre algo melhor pelo que esperar. O nosso destino final é sempre desconhecido porque o itinerário é recomposto a cada estação...já dirira Bauman.

Há muita incompreensão nisso tudo. Há muito descompasso na maneira como ela enxerga o mundo e na maneira como ele realmente é. O que vale mais: a intensidade dos acontecimentos, mesmo que eles sejam por demais efêmeros, mas ainda assim eternizados na lembrança? Ou a duração, que faz dos acontecimentos terem um significado maior para construção e transformação do outro e de nós mesmos? Há construção no que é momentâneo? Ela não sabe as respostas...não pretende fazer uma reflexão maniqueísta. Mas inevitavelmente sente sua vida desafinada com o coro dos contentes...
                                                                                                        

Chega uma hora que é preciso desistir...


Ela desistiu de tentar se adaptar
desistiu da perfeição movediça
desistiu dos dogmas alheios
resistiu para enfim libertar.

Ela desistiu de ser vencedora
desistiu de ser um fantoche
desistiu das jaulas "protetoras"
resistiu para enfim caminhar.

Ela desistiu de corresponder expectativas
desistiu da maquiagem no rosto
desistiu de tentar se enquadrar
resistiu para enfim cicatrizar.

Ela desistiu dos relacionamentos de bolso
desistiu da vida coisificada
desistiu das multidões solitárias
resistiu para enfim respirar.

Ela rompeu com a superfície
sorriu com a profundeza do olhar
percebeu todo o horizonte a sua espera
que há muito precisava despertar.
                                                                                      


Banksy